QUEM SOU EU
- O PASSADO É UM PAÍS ESTRANGEIRO
- Doutor em Ciências Sociais, professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Pará. E-mail: marciocouto@ufpa.br
QUARTA-FEIRA, 18 DE ABRIL DE 2012
VILA DE AMERICANO
Fotos: com exceção da indicada, todas as outras por Márcio Couto Henrique.
Muitos lugares ficam conhecidos por determinados aspectos de sua paisagem. Assim, quando pensamos no Rio de Janeiro, lembramos do Pão de Açúcar, do Corcovado, das praias. Curitiba é considerada "cidade modelo" pela limpeza, organização e preocupação com o meio ambiente. São associações positivas, que contribuem para uma boa imagem da cidade.
Mas, existem lugares que são estereotipados de forma negativa por determinados aspectos de sua paisagem. Assim acontece com a Vila de Americano, lugar onde vivi até meus 16 anos. Apesar da diversidade de paisagens que existe na vila, ela só é lembrada por uma coisa: o presídio.
A história da Vila de Americano começa em fins do século XIX, 1886, quando ainda era conhecida como Vila Araripe, em homenagem ao então presidente da província do Pará, Tristão de Alencar Araripe. Por volta de 1885, a vila recebeu imigrantes estrangeiros açorianos que deveriam colonizar o local, mas diz a tradição que eles não quiseram ficar. Entre os estrangeiros que ficaram na vila, havia um norte americano chamado Kellmon, que fundou na localidade um engenho de cana-de-açúcar. Reza a tradição que quando se perguntava aos moradores "onde você está indo?", eles respondiam: "vou ao americano". E assim, o nome Americano se propagou, substituindo a antiga denominação.
Com as secas que atingiram o nordeste a partir de 1887, vários grupos de nordestinos se estabeleceram em Americano. Um deles foi meu avô, Jroaquim Ferreira do Couto, que veio com seus pais de Camucin, no Ceará. Vejam, abaixo, parte da família Ferreira do Couto. Na frente, sentados, estão meus avós maternos e, no meio deles, minha mãe, ainda menina.
Atualmente, a Vila de Americano é um distrito do município de Santa Isabel do Pará. Muitos moradores de Americano acreditam que a vila não cresce por causa disso. Uns defendem a emancipação, outros pensam que o melhor seria ser distrito do município de Castanhal. De fato, apesar de ser o maior distrito de Santa Isabel, a prefeitura desta cidade faz muito pouco por Americano. Quase nada!
Quem passa pela BR 316, indo no sentido de Castanhal, pode observar a paisagem abaixo:
À direita fica a entrada da vila, à esquerda a verdadeira cidade de presídios construída pelo Estado do Pará.
O que você na foto acima, à esquerda, às margens da BR 316, é tudo presídio! Dá até para ver as sentinelas:
Alguns dos criminosos mais perigosos do Estado do Pará estão nestes presídios de Americano. E sabem o que a vila ganha de bom com isso??? Nada! No máximo, alguns minguados empregos para moradores que são agentes prisionais. Que prêmio! Além da penitenciária, tem ainda a Colônia Agrícola em regime semi aberto, de onde frequentemente fogem ladrões que saem pelas matas de Americano, assustando os moradores, querendo saber para que lado fica Belém ou Castanhal.
Um lugar que recebe vários centros de detenção, que reúne centenas de criminosos perigosos, deveria merecer mais cuidado do governo, deveria merecer algumas compensações, principalmente segurança. E isso não é de hoje e não tem cor partidária. Até hoje, os mais diferentes partidos políticos, das mais diferentes cores, sempre viram Americano apenas como o lugar onde se despeja os criminosos do Estado. É hora de ver Americano com outros olhos, é hora de olhar para sua gente, para seu povo.
Um lugar que recebe vários centros de detenção, que reúne centenas de criminosos perigosos, deveria merecer mais cuidado do governo, deveria merecer algumas compensações, principalmente segurança. E isso não é de hoje e não tem cor partidária. Até hoje, os mais diferentes partidos políticos, das mais diferentes cores, sempre viram Americano apenas como o lugar onde se despeja os criminosos do Estado. É hora de ver Americano com outros olhos, é hora de olhar para sua gente, para seu povo.
Vejam, abaixo, a "delegacia" de Americano:
Como vocês podem ver, o prédio está geralmente fechado. E não adianta ir até lá querer registrar qualquer queixa, pois não haverá ninguém para atendê-lo!
Agora vejam o estado dos Correios da vila:
Detalhe: até um tempo atrás as pessoas tinham que buscar as correspondências nesse lugar! E ainda hoje, contas de energia e telefone não são entregues aos moradores, nem sequer são enviadas pela CELPA e OI TELEMAR. Os moradores têm que ir até Santa Isabel para fazer o pagamento! Então vejam: o que caracteriza a vila de Americano não é só o presídio, é também o descaso do poder público municipal e estadual!
Em 2008 eu fui dar uma palestra para jovens universitários de Americano, que ocorreu na principal escola da vila. Acreditem, a foto abaixo mostra uma sala de aula estadual!!! É a Escola Estadual Magalhães Barata. Não apenas estudei como depois de formado dei aula nessa "sala de aula".
Foto: Arthur Henrique, 2008
Mas o que quero mostrar aqui nessa postagem é que, o que Americano tem de mais importante, as pessoas que passam pela BR 316 não conseguem ver: é o seu povo. E claro que os políticos também não veem isso! Já está na hora de mudar esse quadro, esse descaso que marca a história de Americano há muitas décadas.
O povo está lá e pode ser visto em suas práticas religiosas, como o círio de Nossa Senhora da Conceição:
Tem também Festival Cultural, onde você pode conhecer o artesanato local e se deliciar com os deliciosos pratos feitos com farinha de tapioca. Aliás, grande parte da farinha de tapioca que abastece o Pará sai de Americano.
Parte da memória histórica do Pará está lá, como vocês podem ver na imagem abaixo.
Na imagem acima você vê o que um dia foi uma estação da extinta Estrada de Ferro de Bragança, atualmente funcionando como escola. Os moradores mais antigos contam muitas histórias do "tempo de trem".
Como as autoridades municipais não se incomodam com coisas mais sérias, implicaram com o nome do bar que aparece na imagem abaixo:
Mas, como o povo é criativo, resolveu a questão trocando a letra "X" por "S". Então, foi liberado!!
Americano é muito mais do que o lugar onde existe um presídio! Lá tem uma gente animada, receptiva, tem muitos universitários, tem o delicioso baião da Marlene, o vatapá da Adriana, a festa das crianças da Tia Lena no KM 60, o bar (X)Siri quer pau, o igarapé do Pantoja, farinha de tapioca, as festas no Bosquinho, o Círio de Nossa Senhora da Conceição, o Festival Cultural e muito mais.
Quando estiver passando pela BR 316, dê uma entradinha para conhecer.
Um grande abraço ao povo de Americano!
